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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JETER LUIZ GOMES

 

Poeta.

Consultor autônomo.
São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, Brasil.

 

GERAES CULTURAL. Ribeirão Preto, SP: Geraes Editora e Propaganda S/C Ltda, s.d.            Coordenação: Liliana Heck —  Carlos Gualter Amorim — Ivo Rinhel D´Acol.  Ilus. p&b           21 x 28 cm

Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

À PROCURA DO POEMA

Eu queria escrever um poema
Mas as palavras voaram
De meus olhos e sumiram
Pelos átomos do ar

Era como se um nada enorme
Houvesse me penetrado
Me rasgado a língua
E me feito de cinzas
Que o vento engole

As letras foram perdendo
Seus dedinhos, depois os lábios,
Os dentes, as vísceras.
Houvesse flutuado
E caído levemente
Nas gavetas do vazio

       Eu não conseguia rimar
A liberdade com generais
E suas estrelas
Não brilhavam no meu céu

Eu não conseguia rimar
Gaivota com armadilha
Sorriso com fome
Nem beijo com lábios ensanguentados

Parecia que o poeta
Havia tirado férias de mim
E deixado o cidadão
De plantão permanente

Busquei palavras nas nuvens
E elas se desfizeram
Corri até às flores
E as letras, perfumadas, murcharam
Desesperado corri pela casa
Revirei as gavetas, papéis antigos
Procurei nas pedras, na noite, na lama
No bar, atrás da porta, embaixo do tapete
E nada.

Quis até mesmo escrever um poeminha
Ainda que sem letras e palavras
Que era mais ou menos assim:
“Meu nome é solidão
Meu nome é silêncio
Meu nome é deserto...”

Mas de repente
Surgiram no ar, brincando,
Uns dedinhos, depois uns lábios,
Uns dentes, umas vísceras,
Até que se formaram uns corpinhos
Eram as letras voltando
Primeiro o “A” com os braços cruzados
Depois o “B” com os punhos cerrados,
O “C” com sua boca enorme e faminta
E o “D” com as costas curvadas
Juntei-os e escrevi ABCD
E então surgiram
Todas as outras letras,
As palavras, as frases
E descobri que o poema
Estava solto nas ruas
E corria na velocidade
Do sangue nas veias do povo
Que o poema assistia assembleia,
Fazia passeata
Que o poema fazia greve,
Rondava os portões
Das fábricas paradas,
Ir à missa, ao estádio,
Ao sindicato antes das intervenções,
À cadeia depois das prisões

O poema estava nos dedos
De aço e amor dos operários
Também nos seus olhos
De bronze e fome

E fui juntando as palavras
Com ferro e solda
Dos braços dos metalúrgicos
E fui pintando-as
Com seu sangue quente e doce

E escrevi greve
escrevi luta
escrevi lu´a

Escrevi povo
lutando pelo pão
Como abelha fazendo mel
Escrevi uma página da história
Desses dias de opressão e arbitrariedade
Que a gente come toda hora
Com pão e tristeza

E escrevi este poema

JETER LUIZ GOMES

*

 

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Página publicada em junho de 2021

 

 

 

 
 
 
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